sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Brasil: Manifesto pela imediata libertação de pichadora

A 28ª Bienal São Paulo chegou ao fim na primeira semana de dezembro, mas a pichadora presa em 26 de outubro por pixar as paredes do pavilhão continua por trás das grades. Caroline Pivetta da Mota passou seu aniversário de 24 anos no último sábado na Penitenciária Santana, onde ela divide cela com outra jovem, condenada por assalto a mão armada. Ela possivelmente passará o natal lá, e talvez ainda esteja na cadeia quando a próxima bienal for aberta, em 2010, já que a punição prevista na Lei de Crimes Ambientais para a “destruição de patrimônio cultural” é de um a três anos de prisão.

Foto possivelmente tirada pouco antes da prisão de Caroline Pivetta da Mota, publicada por muitos blogueiros, como Leandro Ravaglia. Duas pessoas dentre um grupo de 40 pixadores foram presas, mas apenas Caroline continua na cadeia.

Fotoclubef508 é um dos muito blogues que publicaram o texto de um manifesto exigindo a imediata libertação de Caroline Pivetta da Mota, escrito pela Revista Studium “em nome de todos os artistas presos e humilhados na história da humanidade”. Ele diz o seguinte:

A jovem pichadora é pobre e suburbana. Sem uma família influente, está mofando há mais de 40 dias na cadeia. Pensem o contrário: se fosse um filho das altas classes sociais paulistanas, estaria preso? Provavelmente um escritório de advocacia já teria impetrado e ganho um habeas corpus, ou o garoto nem sequer tivesse sido preso…

A Arte se entristece com esta postura autoritária e policial.

Também não devemos confundir “danificar patrimônio público”, com o que aconteceu: uma coisa é alguém sujar um espaço público de uso coletivo; outra coisa é uma situação como essa, onde havia um espaço público destinado às manifestações artísticas. Podemos até admitir questionar o caráter artístico da manifestação da garota, mas isso é outra história, outra discussão, outro lugar, e a prisão não é a resposta.

O momento em que Caroline Pivetta da Mota foi presa, capturado por imagens de circuito interno de TV

DJ Saddam diz que, na verdade, Caroline teve dois habeas corpus negados pela justiça de São Paulo porque ela não pôde apresentar um comprovante de endereço, e concorda que seu histórico social pode ser mesmo o motivo dela ainda estar presa. Ele deseja feliz aniversário à pixadora e reflete sobre a forma como a sociedade reagiu ao assunto:

Avaliando os comentários a respeito deste fato nos sites dos principais jornais, frequentados pela classe média reacionária, me causou espécie que a maioria vê com aprovação a prisão da jovem - o que não aconteceria se esta fosse filha ou neta desta gente.

Na semana passada, um policial militar que matou um garoto de três anos foi inocentado no Rio de Janeiro. Muitos blogueiros, dentre os quais Leandro Ravaglia, lincaram os dois casos para mostrar as muitas faces da justiça brasileira:

Não estou defendendo a moça. Nunca pratiquei e acho uma merda a cidade toda rabiscada, mas deve-se lembrar que a própria curadoria da Bienal convidou os visitantes a “interagir com os espaços vazios do evento”, sem definir até onde tal “interação” podia ir.

Dado isto, fica a dica: Largue da lata e compre um revólver. Pichar dá cadeia.

Uma das pichações no prédio projetado por Oscar Niemayer para abrigar as bienais de artes de São Paulo. Foto do usuário do flickr user www.johabsilva.com. Um dia depois, as paredes estavam brancas novamente.

O banqueiro milionário Daniel Dantas, enquanto estava sob investigação da polícia federal por uma série de crimes como lavagem de dinheiro e fraude, foi preso duas vezes, e duas vezes libertado pela Superior Tribunal de Justiça. No total, ele passou muito menos tempo preso do que Caroline: três dias. Embora Dantas tenha sido setenciado a 10 anos de prisão por tentativa de suborno a um policial, e multado em R$ 1,4 milhões, ele apelou da decisão e aguarda em liberdade. Nice Pinheiro cita outros casos parecidos e fica muito zangada com todo o sistema, que tende a deixar os grandes e ricos se safarem e a punir exageradamente os pobres e não educados:

Aqui é assim: roubou um pote de margarina, pichou um muro vazio e reservado a expressões culturais públicas, furtou um pão pra matar a fome, vai em cana. Não tem perdão! Praticar crime contra a administração pública, lesar os contribuintes, fraudar documentos, licitações, desviar dinheiro público e outras cositas mais, são violações irrelevantes, crimes “leves”, transgressões morais e éticas sem importância alguma…Imagina!!!

O Ministro da Cultura Juca Ferreira tem feito campanha pela liberdade da garota e até ligou para o Governador de São Paulo José Serra pedindo que ele interviesse em favor de Caroline Pivetta da Mota - sem êxito, já que o governador teria dito que a libertação de Caroline depende da Justiça. Paulo D'Auria comenta a forma como Serra reagiu ao pedido:

Para o ministro da cultura e para este revoltado blogueiro que vos escreve “é um escândalo uma pessoa ficar presa esse tempo todo porque fez uma intervenção gráfica”.
O que o país ou a cidade ganham deixando presa junto com criminosas de verdade (ladras, assassinas) uma pichadora?
Sinto muito aos paulistanos retrógrados e ao governador (que - reza a lenda - já foi jovem e líder do movimento estudantil), mas não estou aqui pra fazer média com vocês:
A prisão de Caroline é uma vergonha para esta cidade!!!


Foto do blogue POIESIS trabalho & cultura.

Yúdice Andrade se preocupa com vitimização da pichadora, quem, todavia, cometeu um ato de vandalismo. Ela acha que mesmo assim a jovem deveria responder ao crime em liberdade:

Não mudei o meu ponto de vista, centenas de vezes sustentado aqui no blog, de que neste país se prende demais e sem necessidade. De que a persecução criminal é muito dura com os desprovidos de acesso aos bens da vida. Enfim, não afirmo que Caroline deva permanecer presa, mesmo sabendo que ela já responde a um outro processo, sob a mesma acusação. Que a soltem, para responder em liberdade. Mas não a tratem como vítima.

O blogue POIESIS trabalho & cultura diz que, com esse episódio, não foi apenas o sistema judicial que se mostrou falho, mas todo o aparato cultural que já não funciona mais:

O aparato cultural do sistema não continua a arte moderna, mas a amordaça, recuperando-a. Já Carol e seus amigos, que não reivindicam fazer arte, mas contestá-la, justamente desse modo são herdeiros da grande arte moderna e de vanguarda do século 20… herdeiros legítimos, e precisamente porque se recusam a apropriar-se dela. Liberdade para Carol!

Fonte: http://pt.globalvoicesonline.org/2008/12/17/brasil-manifesto-pela-imediata-libertacao-de-pichadora/

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